quarta-feira, 31 de outubro de 2012

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL



Para quem faz do sonho a vida, e da cultura em estufa das suas sensações uma religião e uma política, para esse o primeiro passo, o que acusa na alma que ele deu o primeiro passo, é o sentir as coisas mínimas extraordinária e desmedidamente. Este é o primeiro passo, e o passo simplesmente primeiro não é mais do que isto. Saber pôr no saborear duma chávena de chá a volúpia extrema que o homem normal só pode encontrar nas grandes alegrias que vêm da ambição subitamente satisfeita toda ou das saudades de repente desaparecidas, ou então nos actos finais e carnais do amor; poder encontrar na visão dum poente ou na contemplação dum detalhe decorativo aquela exasperação de senti-los que geralmente só pode dar, não o que se vê ou o que se ouve, mas o que se cheira ou se gosta — essa proximidade do objecto da sensação que só as sensações carnais — o tacto, o gosto, o olfacto — esculpem de encontro à consciência; poder tornar a visão interior, o ouvido do sonho — todos os sentidos supostos e do suposto — recebedores e tangíveis como sentidos virados para o externo: escolho estas, e as análogas suponham-se, dentre as sensações que o cultor de sentir-se logra, educado já, espasmar, para que dêem uma noção concreta e próxima do que busco dizer.

Fernando Pessoa 




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