sábado, 20 de junho de 2009

Fernando Pessoa...



Quando ponho de parte os meus artifícios e arrumo a um canto, com um cuidado cheio de carinho - com vontade de lhes dar beijos - os meus brinquedos, as palavras, as imagens, as frases - fico tão pequeno e inofensivo, tão só num quarto tão grande e tão triste, tão profundamente triste!...

Afinal eu quem sou, quando não brinco? Um pobre órfão abandonado nas ruas das sensações, tiritando de frio às esquinas da Realidade, tendo que dormir nos degraus da tristeza e comer o pão dado da Fantasia. De meu pai sei o nome; disseram-me que se chamava Deus, mas o nome não me dá idéia de nada. Ás vezes, na noite, quando me sinto só, chamo por ele e choro, e faço-me uma idéia dele a que possa amar...Mas depois penso que o não conheço, que talvez ele não seja assim, que talvez seja nunca esse o pai da minha alma...

Quando acabará isso tudo, estas ruas onde arrasto a minha miséria, e estes degraus onde encolho o meu frio e sinto as mãos da noite por entre os meus farrapos? Se um dia Deus me viesse buscar e me levasse para a sua casa e me desse calor e afeição...Ás vezes penso isto e choro com alegria a pensar que o posso pensar...Mas o vento arrasta-se pela rua fora e as folhas caem no passeio...Ergo os olhos e vejo as estrelas que não têm sentido nenhum...E de tudo isto fico apenas eu, uma pobre criança abandonada, que nenhum Amor quis par seu filho adoptivo, nem nenhuma Amizade para seu companheiro de brinquedos.
Tenho frio de mais. Estou tão cansado no meu abandono. Vai buscar, ó Vento, a minha Mãe. Leva-me na Noite para a casa que não conheci...Torna a dar-me, ó Silêncio imenso, a minha ama e o meu berço e a minha canção com que eu dormia...
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Fernando Pessoa - Desassossego
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